(Fotos referentes a este post estao no Orkut, desculpem a inconveniencia, mas nao consegui fazer o upload aqui)
Nao se preocupem, nao vou reclamar de saudade da minha mae ou pai, irma ou vo. Minha saudade eh de alguem da familia, sim, mas alguem que ja se foi faz tempo. Fazem uns 13 anos que meu vo morreu, mas a saudade que eu sinto dele eh a mesma que eu sentia um tempo atras, o vo Leopoldo, o Seu Leopoldo, que trabalhava de guardinha na Camara de Vereadores.
Eu lembro do cheiro de velho que meu vo tinha, acho que era o cheiro do bigodinho de Hitler dele. Um cheiro de naftalina. Cheiro de vo.
Lembro de quando ele comecou a ir ao medico, lembro de quando ele ficou muito mal e foi internado. Tambem lembro do dia em que lhe deram alta do Beneficiencia e ele veio para casa, para ficar deitado, pateta, no quarto dele. Acho que eu lembro do meu pai sentado na cama, lendo o jornal para ele. Acho tambem que lembro da expressao vazia da minha vo, do olhar sem brilho, do dia em que meu vo morreu e meu pai trouxe ela de volta de Porto Alegre. Acho que ela estava com meu vo quando ele se foi. Lembro do velorio, do cheiro das velas, e da minha vontade de acordar do pesadelo. Minha vontade de olhar e nao-olhar o caixao. Nao havia uma capela mortuaria, entao o velorio foi nas pecas da frente da casa da minha vo. Eu lembro que minha cabeca doia.
Depois de um tempo, eu comecei ir ao cemiterio, com a Samantha, frequentemente, ver o tumulo do meu vo. Iamos depois do colegio. Quando eu botava o pe na porta do cemiterio e olhava para a esquerda, eu avistava uma arvore, embaixo da qual meu vo me esperava para um papo. Fiz muitas visitas ao cemiterio, e fiquei acordada varias noites, chamando pelo meu vo, na espera que ele viesse me dizer se estava bem ou nao, se tinha bala para comer no ceu, ou nao. Ele estava sempre chupando uma bala. As vezes eu escutava os chinelos dele arrastarem no corredor da minha casa, a noite, em direcao ao meu quarto.Talvez era so minha imaginacao, mas eu escutava, e o barulho ia ficando mais verdadeiro a medida que se aproximava da minha porta. Eu ficava deitada, nao tinha medo, pelo contrario, queria muito que meu vo entrasse quarto a dentro. Mas ele nao entrava. A porta do meu quarto estava sempre aberta, foi ai que eu resolvi fecha-la, fechava todas as noites, porque eu inventei, na minha cabeca de crianca de 7 ou 8 anos, a teoria de que, se meu vo quisesse me ver, ele que abrisse a porta, porque eu achava que ele me espiava no cantinho da porta quando eu adormecia. Dei uma licao no meu vo, fechando a bendita porta todas as noites. Ele nao veio mais e ate hoje eu so consigo dormir com a porta fechada. De repente um dia ele volta.
Sou sortuda, pois fui a unica neta a realmente brincar com meu vo, passar tempo com ele. Minha irma e meu primo Iago eram bebezinhos, e os filhos do meu dindo ainda nao haviam nascido. Minha mae diz que meu vo comprava para mim aquelas calcinhas de rendinhas na bunda quando eu era um bebe. Eu lembro que eu ia com ele, para a Camara, todas as noites, fechar as janelas e percorrer os gabinetes, recolhendo as garrafas termicas. Quando eu chegava na cozinha eu sorvia todos os restos das termicas, uma por uma, ate ver o fim do cafe.
Eu quero ter filhos, onze de preferencia, e quero que meu pai e o pai do meu futuro, amado esposo, sejam os melhores avos do mundo. Acho que meu pai vai ser um otimo avo, daqueles que ensinam nome feio, e que dao doce na hora que nao se pode comer doce. Meu pai seria um avo charmoso.
Vou tentando trabalhar com o meu trauma da perda do meu avo. Nem gosto de pensar no que vai acontecer quando minha vo se for.
Mas essa eh a vida, ele se foi, eu me vou um dia. Alguns se vao, mas muitos outros vem. Nao ha espaco para todo mundo nesse planeta, eh natural. Acontece o mesmo com as abelhas. E com os gambas, e com todo o resto.
Mas ainda doi, e doi muito.
Athanea Tolotti